Por WOLFGANG STREECK
(Sociólogo, Diretor do Instituto Max Planck para o Estudo das
Sociedades)
Revista Piaui, nº. 97
Mais
do que em qualquer momento desde o fim da Segunda Guerra Mundial, há hoje em
dia um sentimento generalizado de que o capitalismo está em estado crítico. Em
retrospectiva, a crise de 2008 foi apenas a mais recente de uma longa sequência
iniciada em meados da década de 70, com o fim da prosperidade do pós-guerra.
Cada crise mostrou-se mais grave do que a anterior, alastrando-se mais ampla e
rapidamente por toda a economia global, cada vez mais interligada. O surto de
inflação dos anos 70 foi seguido pelo aumento da dívida pública nos anos 80, e
o ajuste fiscal dos anos 90 se fez acompanhar por um acentuado aumento da
dívida do setor privado. Já faz quatro décadas que o desequilíbrio tem sido
mais ou menos a condição normal do mundo industrial avançado, tanto em nível
nacional como global.
Com
o tempo, as crises do modelo do pós-guerra nos países da Organização para
a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)[1] se
tornaram tão recorrentes que não são mais vistas como meramente econômicas;
elas resultaram na redescoberta da antiga noção de “sociedade capitalista” – do
capitalismo como uma ordem social e um modo de vida que depende visceralmente
do progresso ininterrupto da acumulação de capital privado.
Os
sintomas da crise são muitos, mas predominam três tendências de longo prazo nas
trajetórias dos países ricos altamente industrializados – ou melhor, cada vez
mais desindustrializados. A primeira é um declínio persistente da taxa de
crescimento, agravado pelos acontecimentos de 2008. A segunda, associada à
anterior, é um aumento também persistente do endividamento total nos principais
países capitalistas, onde governos, famílias, empresas e bancos vêm acumulando
passivos financeiros nos últimos quarenta anos. A terceira tendência, enfim,
consiste no recrudescimento, já há várias décadas, da desigualdade, tanto de
renda como de riqueza.
O
crescimento constante, a moeda estável e um mínimo de igualdade social,
disseminando alguns benefícios do sistema para os que não têm capital, por
muito tempo foram considerados pré-requisitos para uma economia política
capitalista conseguir a legitimidade de que precisa. Nesse sentido, o mais
alarmante é que as tendências críticas mencionadas podem estar se reforçando
mutuamente.
Crescem
os indícios de que o aumento da desigualdade pode ser um dos fatores do
declínio do crescimento, pois a desigualdade trava as melhorias na
produtividade e também enfraquece a demanda. O baixo crescimento, por sua vez,
reforça a desigualdade ao intensificar a disputa pelos recursos – o chamado
conflito distributivo –, tornando mais custosas aos ricos as concessões aos
pobres, e fazendo com que os primeiros insistam mais do que nunca na estrita
observância do “Efeito Mateus” que rege os mercados livres: “Ao que tem muito,
mais lhe será dado e ele terá em abundância; mas ao que não tem, até mesmo o
pouco que lhe resta lhe será tirado.”[2]
Além
disso, o endividamento crescente, ao mesmo tempo que não consegue deter a
redução do crescimento, torna-se mais um componente da desigualdade devido às
mudanças estruturais associadas à financeirização da economia – financeirização
esta, no entanto, que visava compensar os assalariados e consumidores pelo
aumento da desigualdade de renda causada pela estagnação dos salários e pelos
cortes nos serviços públicos.
Isso
que parece ser um círculo vicioso de tendências nocivas pode continuar para
sempre? Ou existem forças contrárias capazes de romper esse círculo? E o que
acontecerá, como assistimos há quase quatro décadas, se essas forças contrárias
não se materializarem?