sexta-feira, 29 de julho de 2016

COMO VAI ACABAR O CAPITALISMO? O epílogo de um sistema em desmantelo crônico


Por WOLFGANG STREECK
(Sociólogo, Diretor do Instituto Max Planck para o Estudo das Sociedades)
Revista Piaui, nº. 97


Mais do que em qualquer momento desde o fim da Segunda Guerra Mundial, há hoje em dia um sentimento generalizado de que o capitalismo está em estado crítico. Em retrospectiva, a crise de 2008 foi apenas a mais recente de uma longa sequência iniciada em meados da década de 70, com o fim da prosperidade do pós-guerra. Cada crise mostrou-se mais grave do que a anterior, alastrando-se mais ampla e rapidamente por toda a economia global, cada vez mais interligada. O surto de inflação dos anos 70 foi seguido pelo aumento da dívida pública nos anos 80, e o ajuste fiscal dos anos 90 se fez acompanhar por um acentuado aumento da dívida do setor privado. Já faz quatro décadas que o desequilíbrio tem sido mais ou menos a condição normal do mundo industrial avançado, tanto em nível nacional como global.
Com o tempo, as crises do modelo do pós-guerra nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)[1] se tornaram tão recorrentes que não são mais vistas como meramente econômicas; elas resultaram na redescoberta da antiga noção de “sociedade capitalista” – do capitalismo como uma ordem social e um modo de vida que depende visceralmente do progresso ininterrupto da acumulação de capital privado.
Os sintomas da crise são muitos, mas predominam três tendências de longo prazo nas trajetórias dos países ricos altamente industrializados – ou melhor, cada vez mais desindustrializados. A primeira é um declínio persistente da taxa de crescimento, agravado pelos acontecimentos de 2008. A segunda, associada à anterior, é um aumento também persistente do endividamento total nos principais países capitalistas, onde governos, famílias, empresas e bancos vêm acumulando passivos financeiros nos últimos quarenta anos. A terceira tendência, enfim, consiste no recrudescimento, já há várias décadas, da desigualdade, tanto de renda como de riqueza.
O crescimento constante, a moeda estável e um mínimo de igualdade social, disseminando alguns benefícios do sistema para os que não têm capital, por muito tempo foram considerados pré-requisitos para uma economia política capitalista conseguir a legitimidade de que precisa. Nesse sentido, o mais alarmante é que as tendências críticas mencionadas podem estar se reforçando mutuamente.
Crescem os indícios de que o aumento da desigualdade pode ser um dos fatores do declínio do crescimento, pois a desigualdade trava as melhorias na produtividade e também enfraquece a demanda. O baixo crescimento, por sua vez, reforça a desigualdade ao intensificar a disputa pelos recursos – o chamado conflito distributivo –, tornando mais custosas aos ricos as concessões aos pobres, e fazendo com que os primeiros insistam mais do que nunca na estrita observância do “Efeito Mateus” que rege os mercados livres: “Ao que tem muito, mais lhe será dado e ele terá em abundância; mas ao que não tem, até mesmo o pouco que lhe resta lhe será tirado.”[2]
Além disso, o endividamento crescente, ao mesmo tempo que não consegue deter a redução do crescimento, torna-se mais um componente da desigualdade devido às mudanças estruturais associadas à financeirização da economia – financeirização esta, no entanto, que visava compensar os assalariados e consumidores pelo aumento da desigualdade de renda causada pela estagnação dos salários e pelos cortes nos serviços públicos.
Isso que parece ser um círculo vicioso de tendências nocivas pode continuar para sempre? Ou existem forças contrárias capazes de romper esse círculo? E o que acontecerá, como assistimos há quase quatro décadas, se essas forças contrárias não se materializarem?


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